domingo, 7 de junho de 2009

Resenhando

Antes fossem só dez as reportagens que abalaram a ditadura, denunciando torturas, mordomias e atentados. A verdade é que, além de serem publicadas muitas mais, existiram aquelas que viraram bolo na mão da censura no tempo em que receita publicada na capa não era um brinde do jornal às donas de casa. Pegue meia dúzia de militares, bata junto com Atos Institucionais em duros golpes à democracia e tempere com uma pitada de requintes de crueldade e perseguição. Antes fossem só dez os problemas a serem denunciados!
Jornalistas que, a grosso modo, nada mais são que contadores de histórias, passaram a escrever dramas e tragédias nada românticos sobre os anos de chumbo que sufocavam a sociedade brasileira. E escrevendo essas histórias em meio a tanta repressão, passaram de oradores a atores da peça, desempenhando papéis que, nos palcos seriam motivo de orgulho e destaque mas que, na vida real, deixaram marcas de sangue de verdade e gritos que não eram apenas efeitos de sonoplastia.
Esses, que ora são mocinhos, ora bandidos da informação, na ditadura foram bravos heróis. Eles poderiam facilmente ter abdicado do papel de dar com a língua nos dentes e desfrutar de belas férias com a família. Mas quem é do ramo há de saber que jornalista gosta mesmo é de se meter em confusão e falar exatamente aquilo que não deve ser dito. Há um preço alto a ser pago por essa traquinagem, e se até hoje existe perigo quando se fala demais, imagine no big brother da ditadura! Te enfiavam logo um saco preto na cabeça, com o qual você seria incapaz de ver o senhor seu vizinho, homem honesto e trabalhador, achando ótimo cumprirem a denúncia feita, por ele, sobre o comunista que você é.
Foi um período de extrema vigilância e castração intelectual. O jornalista passou a trabalhar num campo minado. Havia todos os motivos possíveis pra que muitos deles mudassem de emprego ou preferissem o caderno “B” e até mesmo permanecendo em suas atuais editorias, haveria todo o respaldo para a prática de um jornalismo sem vergonha e preguiçoso, mas foi justamente o contrário. Eles trabalharam com mais garra, com mais sede de trazer a verdade à tona e nunca se viu tanto engajamento não só entre a imprensa como em todas as esferas da sociedade. Havia paixão e ódio em tudo o que se fazia: música, teatro, jornalismo... e até as “badernas” estudantis ardiam em ideais.
O resultado do material reunido no livro 10 reportagens que abalaram a ditadura provoca nojo e vergonha por tudo o que aconteceu durante a ditadura. Mas, de certa forma, causa também uma certa nostalgia. Uma sensação de que tudo que vivemos e fazemos hoje é morno e displicente. Foram só os tempos que mudaram ou nós somos a geração que não está nem aí? A impressão que dá é que carregamos uma memória permissiva daquele tempo. Perto do AI-5, nada é mais tão absurdo...